Joaquim Borges de Menezes Neto
A última casa para entregar presentes. Os últimos são sempre os melhores. A noite de natal já está quase no fim. As lerdas daquelas renas não prestam para mais nada. Paro no último endereço. E a porra ainda é num fim de mundo! Desço na casa, dando de cara com a sala. Logo à minha frente a árvore, onde jogo a sacola de presentes. E à minha volta, uma decoração sutil. Nada mal. Ok, cadê aquele velho filho da puta?! Entro no primeiro quarto que vejo: seu neto, o recém nascido. No segundo, a netinha – até que era bonitinha. No terceiro que o encontro. Ao lado, a gostosa acabada da mulher dele. Seus peitos já deviam bater no abdômen – e que peitos eles foram!
Tudo havia sido planejado há... mais ou menos 5 minutos. Era só tirá-lo do quarto. Pego o guardanapo com clorofórmio: hora de agir. Devagar chego perto de seu lado na cama e bam! Tampo sua boca com o pano – ele se debate por alguns segundos apenas e apaga – puxo-o para fora (eu tinha sorte da mulher ter sono profundo). Desmaiado, é fácil de puxá-lo para onde quero. Já posso ate sentir o gosto de sangue escorrer entre os dentes. As poucas horas que me restam são a conta certa para diversão. O vedamento acústico dos quartos também me favorece- ninguém nos outros cômodos pode escutar um “ah!” sequer, vindo da sala. Além de ser mais afastada. Amarro-o em uma cadeira na sala em frente à arvore de natal. Que gosto sádico! Um tanto exagerado para esta data. Pena, esses sentimentos numa noite tão boa para se rir. Sento e espero.
Em meia hora ele acorda.
- Sogro?! Finalmente acordou! Bastante saudável, um sono tão pesado, sabia?
- Mas que merda de brincadeira é essa?! Claus?! Enlouqueceu?! Sabe que horas são?
- SANTA Claus, por favor. Sabe que estou velho... cansado...
- Os anos de boemia finalmente te acabaram? – riu
Dou-lhe um bofetão na cara e ele geme – Desgraçado, enlouqueceu!
- Cale a boca, seu hipócrita!
- Ah!, não me enrole! Ainda fez coisa bem pior... – fito-o pensando se lhe acerto a cara novamente. O desgraçado mesmo amarrado me irritava.
- Eu não desminto... até que gostei dessa merdinha de vida. Contudo não estou aqui para nostalgias.
- O que quer de mim? Ainda quero voltar a dormir, sabia?
- Calma, noite de Natal todo mundo merece brincar, mesmo nós, velhos. Até mesmo o papai Noel – Eu quero brincar.
- Comecemos, portanto – As regras são: eu falo, você se cala. Acho que sabe por que estou aqui...
Ele estava calado, imóvel: assim seria mais fácil.
- Você perde seu tempo. Sua vingança é desperdício.
Meu sogro era alguns anos mais velho que eu (poucos), e ainda era durão.
- Vingança?! Qual? Disse que estava aqui para me divertir. – Entreter você, sabe?
- Fale logo porque, diabos, está aqui!
- Nunca gostei de você, sabia? – Afinal de contas, é o único que sabe...
- Eu soube esconder bem. As criançinhas nem sequer desconfiam do papai aqui.
- Por minha causa... – dou-lhe um murro na cara – aí tinha passado dos limites - Geme, apenas, mas continua durão.
- Foi um parasita, isso sim! O dinheiro que ganhava ia metade para você e suas regalias de aposentado inútil! E fez coisas tão sujas quanto eu!
- Sem falar que tive que sustentar a sua filha. Uma tosca – traí sempre que pude...
- Claro, com minha filha ficava mais fácil de receber teus pagamentos... E depois, com a imagem de Papai e Mamãe Noel, Clarisse se tornou uma... ponte de negociações mais forte. Segurei você facilmente.
Eu poderia esmurrá-lo o resto da manhã. Mas ainda não. Controlo-me.
- Enfim. Estou aqui para um último recado. Estou na eminência de me aposentar, fora os problemas de saúde. Não creio que passo do ano que vem. Por isso, para não correr o risco de perder uma imagem construída com esforço, preciso queimar alguns dados.
Ele me olha com desprezo. Algo um tanto cômico para o contexto. Depois ri
- Sempre desconfiei que você era doente... Claro! Um trabalho tão imundo... uma tara tão anormal!
- É realmente um hipócrita... - vou saindo para procurar algo para bater nele. Algo mais impactante, já que o limite havia ficado longe – você fala como se fosse novidade. Já disse que se sujou tanto quanto eu. Sei que tinha seus próprios negócios. Paralelos. – vou para os fundos.
- Ônus meus, não se meta. E eles eram completamente diferentes. Tinham importância. De qualquer forma, fiz o que achava coerente, dentro do possível. Mas me redimi. O seu caso é patológico... Ei!, aonde vai?!
Volto com um bastão. Um pedaço de madeira farpada que achei nos fundos. – Eu, doente? Vou te ensinar a não ofender os outros com palavras rudes. – acerto-o. Não usei toda força. Não queria que apagasse ainda.
Ele perde a consciência por alguns segundos. Com a cara toda ensangüentada, resmunga algumas palavras que não ouço direito.
- Não entendeu a regra do jogo?! Você se cala. – Quanto ao seu comentário desnecessário, digamos que é um hobbie. A propósito, seus netinhos são bem bonitinhos, já disseram?
- Fique longe deles, seu filho de uma puta! – disse, com voz falhando e tossindo – Eu juro que volto do inferno se você sequer tocá-los!
- Eu só fiz um comentário! Quanta agressividade. – Deixe estar, meu negócio é com você. Como dizia, penso em me aposentar, pois estou acabado.
- Tenho que apagar alguns arquivos, e você é um. – continuo. – Seria muito sem graça se apenas o matasse sem que visse nada. Por isso quis ter uma última conversa, sogro.
- Eu posso ir para a merda que me parta, mas tenho absoluta certeza de que você me acompanha...
- Então você vai antes – sorri.
Vou à minha sacola de presentes e pego uma garrafa de querosene. Tiro um isqueiro do bolso com uma estampa natalina. – eu disse que havia planejado como matá-lo em cinco minutos, mas já pensava nessa idéia há algum tempo – vou até ele e o seguro pela camisa. Despejo todo o líquido e, em seguida, à sua volta, espalhando um pouco pelo piso de madeira.
Ele se debate um pouco, cuspindo querosene, mas para. Talvez, devesse estar cansado.
- Isso, amigo, fique tranqüilo, o que doer passa. São só alguns minutos. É como queimar papel, arquivos desnecessários, nada que você não conheça.
- Espere, desse jeito pode queimar a casa! Você disse...
- Esqueceu das entrelinhas? Elas sempre existem. Com sorte, alguma ajuda chega antes.
- Não faz isso. Eles não... Ao menos poupe meus netos... – implora. Até sinto certa pena.
- Bons sonhos, sogro...
Seu rosto fica sem expressão. Não fala mais nada, apenas me fita nos olhos.
Acendo o isqueiro e o jogo. O fogo rapidamente toma conta de seu corpo, junto com parte da sala. Saem apenas gemidos abafados dele. Continua, o máximo que consegue, permanecer rígido.
Vou indo embora. Pego minha sacola. Logo na saída, paro um segundo antes de partir, e encaro a casa, já em parte em chamas:
-Hô, hô, hô, um feliz natal para todos!